Quando falo com vocês sobre Jesus Cristo, afro-oriental, de pele preta, não me refiro a uma interpretação pessoal, não faço de sua cor um desejo próprio, nem transfiro militância ao meu discurso. Falo sobre o que foi visto pelos profetas e depois por João, e que por eles foi relatado através de pedras escuras que desvelavam a cor da pele de quem era a eles revelado. Falo de uma árvore genealógica preta que está nas Escrituras e que foi deliberadamente escondida, ignorada, desacreditada e agora vista como aberração. Quando falo do Cristo que possui cor refiro-me ao que encarnado, em Jerusalém, pré Canal de Suez, não se furtou de assumir a tez predominante de sua localidade.
A necessidade do Cristo preto não se faz por uma sede e necessidade de vingança. Não se dá para construção de um céu preto onde brancos não entrarão. Não está em pauta um deslocamento do Cristo para uma determinada parcela da sociedade.
Quando insisto nesse discurso, o faço por um comprometimento hermenêutico. As interpretações não devem ser estabelecidas pela retratação branca européia com suas ilustrações impositivas através de obras de arte. As interpretações precisam emergir do que fora revelado pelas Escrituras, e essas falam de um povo preto, hebreu, que se desenvolveu pelas terras da África (Egito) e do Oriente (Canaã). As Escrituras falam das tranças (dreads) de Sansão, da exaltação de Salomão às mulheres, que pelas características apresentadas só podiam ser pretas. Tratam ainda de revelações dadas a profetas e profetas que demonstram o Revelado, Jesus, com aparência de pedras escuras, como jaspe e sardônio, que para o tradutor, bastou interpretar por pedras preciosas, escondendo assim a importância de sua coloração na revelação do Ente.
Quando estaciono meu pensamento nessa premissa, o faço por uma necessidade de justiça e reestabelecimento da ordem nas Igrejas atuais. Salvo as exceções e resguardadas as ações cirurgicamente pensadas para se afastar a desconfiança de racismo, as igrejas produzem, mantém, sustentam e retroalimentam um sistema racista – outros sistemas também existem – que é estabelecido por um silêncio denso e palpável, e ainda demonstrado através de suas hierarquias cujos limites são estabelecidos para os que possuem determinadas colorações de pele.
Quando retorno e trago vocês para essa fala, o faço por entender que, se desde sempre o Cristo, Senhor da Igreja, motivação do Cristianismo, fosse visto como o é, e foi, preto, a dignificação do povo preto provavelmente não se arrastaria tanto no tempo e no espaço. As relações não se dariam baseadas na cor da pele – poderia se errar em outros sentidos – pois o Senhor das relações estabeleceria a dignificação da cor a partir Dele. Seria muito interessante ao se tratar da doutrina da encarnação não ser omitido a tez de Cristo Encarnado; ao se falar sobre a Imago Dei, incluir os que sempre estiveram destituídos da imagem e semelhança de Deus. O Cristo preto não se atreveria em saquear a África, oprimir a Índia, roubar as terras dos nativos de toda América. O Cristo preto não se rebaixaria em fazer com a Europa o que foi feito com os lugares anteriormente citados. O Cristo preto é Cristo de todxs. É o Cristo da dignificação do ser humano. É o Cristo que vê, enxerga, percebe o ser humano na existência, com suas mais variadas facetas e o conduz para a sua dignificação.
Lucidamente, sei que tratar desse tema em terras das quais fora estabelecido o reinado perene do Cristo europeu, causa desconforto até para aqueles que concordam com o racismo estrutural na sociedade. Sei que alguns dirão que isso não faz a mínima importância para o desenvolvimento do cristianismo. Outros nem chegarão até aqui, nessas linhas, devido ao comichão causado pelas palavras anteriores. Haverá quem diga que se politiza – virou moda – assuntos da bíblia. Uns, pautados pela Escola Bíblica Dominical e seus professores na grande maioria brancos que sempre ignoraram o racismo ou o difundiram nos bastidores, apelarão para a verdade, verdade branca e de branco.
Espero, espero muito, que pretos e pretas submetidos à branquitude cristã fundamentalista quebrem seus grilhões e vivam livres diante do Cristo preto, irmão na existência, na cor e na dor. Também espero, que brancos e brancas, renunciem ao status quo estabelecido pelas interpretações imperialistas e que não apenas abracem seus pares na existência, mas entendam o lugar deles no cristianismo de justiça.
Enquanto isso, continuaremos anunciando o Cristo preto, que não foi interpretado por pretos e pretas, mas encarnado na existência da humanidade, com sua tez e desfaçatez.
CRISTO É PRETO
30/05/2020 por Christiano Alves
Deixe um comentário