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Archive for the ‘O domador de leões’ Category

– Dizer o que teria acontecido? Não, a ninguém jamais se diz isso.(…)

Mas todos podem descubrir o que vai acontecer – (…)

 Se voltar agora e acordar os outros(…)

C.S. Lewis

Crônicas de Nárnia – Príncipe Caspian

Há um ano, meus textos no blog eram uma mistura de dor, tristeza, pesares, traumas e insistentes projeções para o que viria pós tragédia. Hoje, uma só constatação: Nenhuma autoridade governamental permitiu que rompêssemos com a tragédia do dia 11/01/2011 e suas inapagáveis marcas.

As obras tão insistentemente ditas, cobradas, protestadas, não servem tão somente para a dignificação do povo, mas para romper definitivamente com um passado angustiante e assombrador. As águas em Nova Friburgo, terminantemente, não são águas passadas. Elas estão estagnadas e putrefatas, sob o nome de política ingenuamente deficiente ou especializada em adquirir vantagens ante o trágico sempre vivido pela sociedade comum. Portanto, ao se falar, ver e ouvir, as pessoas diretamente afetadas – e que continuam sofrendo nas suas múltiplas necessidades – constata-se um semblante triste, cansado, desiludido, sem esperança, tal como milhares e milhares de semblantes que vimos, “ontem”, quando o calendário marcava 11/01/2011. Na verdade, a expressão, “parece que foi ontem”, nunca coube tanto, como na realidade que vivemos em Nova Friburgo. Aliás, vergonhoso lembrar o cansado trocadilho marketeiro usado por tantos ao se cunhar que a cidade voltaria a ser nova. Como? – eu pergunto. Quando uma cidade pode ser totalmente renovada, enquanto o sórdido, poluente e babilônico modelo político continuar sendo permitido por nós? O trabalho feito pelo órgão de limpeza e urbanização da cidade a cada chuva que cai na conhecida Praça do Suspiro é cópia fiel da administração pública vigente. A lama suja toda a rua, então, munidos de pipas d’água e mangueiras lavam toda a sujeira. Que voltará a ser limpa na próxima e chuva e assim por diante. Enquanto não formos sérios em nossos votos – chega de urna eletrônica, não tenho pressa em saber quem governará; destemidos em nossos protestos – sem violência, Luther King Forever; e leais ao senso comum – o que desejo necessita repercutir em ganho para todos, continuaremos lavando a lama que escorre dos palácios.

Eu queria homenagear pessoas que partiram, como o “Carne Seca”, guardador de carros, vítima, antes mesmo do dia de “ontem”, vítima de uma sociedade exclusivista e não causadora de sonhos realizados para todos. Eu queria homenagear aos heróis que lançaram uma corda, que acordaram uma família, que se lançaram nas águas, que reviraram lama, que fizeram… e nem deixaram seus nomes. Mas não.

Vou homenagear os políticos que receberam as verbas destinadas às vitimas da catástrofe natural e tão logo foram acusados de desvios das mesmas; vou homenagear aqueles que se colocaram numa platéia restrita, a que torce por um município afundado ainda mais na lama, para que sejam os “redentores” nas próximas eleições; vou homenagear os que gentilmente construíram e nos deixaram de herança essa fingida, insensível e Jesabelínica política; homenagear os irmãos de outros escalões, que diante da desdita desceram como abutres por meio de aeronaves para repartirem – será que apenas as tarefas? Quero homenagear ainda os diversos empresários que agraciados pelos empréstimos – mesmo com suas empresas mais secas que telhado no deserto nordestino, impediram outros que chafurdados na lama sucumbiram, a todos e outros que são omitidos em minha singela homenagem, a quem peço perdão por tamanha injustiça de minha desmemoriada atenção, deixo-vos um texto: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.”

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Mesmo que toda dor fosse causada pelo ser humano, ainda assim gostaríamos de saber a razão para a tolerância por parte de Deus no que diz respeito à tortura que os indivíduos malvados infringem aos seus semelhantes.

C.S. Lewis – O Problema do Sofrimento

 

“Hoje não me peçam nenhum conselho. Sou péssima companhia a quem deseja ser aconselhado. Minha mente e minha língua estão descoordenadas. Em total litígio, são como dia e noite, próximas o bastante e distantes de maneira perceptível. Não seria prudente deixar-me aproximar aos enfermos, físicos ou psíquicos, eu os trairia no diagnóstico e os feriria na prescrição; nem que os políticos discursassem perto de mim, há uma vaia e uma ofensa prontas em meu peito, que ecoaria pelos sete cantos do mundo. Não deixe que os legalistas religiosos venham me consolar, eles voltariam convictos da apostasia de vida e correríamos o risco de não mais tê-los conosco; e muito menos os suicidas, não os deixem me ver… eu teria a coragem de ler cuidadosamente as palavras de Quintana, bem aos seus olhos: ‘Têm qualquer coisa de anjo esses suicidas voadores,/ qualquer coisa de anjo que perdeu as asas’ e assistiria a reação deles; nem a felicidade da Adélia me convence hoje. Tentei uma rabanada fora do tempo, bem açucarada, que nada! Nem isso deu certo hoje! As vozes são perturbadoras, e o silêncio inquietante. O hoje é singular, de modo nunca desejável. Há um poema que me nutri no dia de hoje:

Dá-me lírios, lírios

E rosas também.

(…)Crisântemos, dálias,

Violetas, e os girassóis

Acima de todas as flores…  

(…)

Mas por mais rosas e lírios que me dês,

Eu nunca acharei que a vida é bastante.

Faltar-me-á sempre qualquer coisa

(…)

Minha dor é inútil

Como uma gaiola numa terra onde não há aves

E minha dor é silenciosa e triste

Como a parte da praia onde o mar não chega.’

Meu coração sempre dói quando chego à praia, bem onde não se sente o toque das ondas salgadas. E por falar em dor inútil, silenciosa e triste, eu a tenho de sobra e quem fora contemplado por tamanha benção, não pode agir de modo diferente. Como ostra ferida nos olhos: produzir pérolas. Será que hoje é dia de brilho que ressurge em meio à escuridão dos mares? Não sei! Hoje ainda estou nas profundezas. Nietzsche diz: ‘Tranqüilo é o fundo de meu mar. Quem desconfiaria que nele se ocultam monstros divertidos!’ – nas profundezas é que nos deparamos com a realidade: há monstros e nem sempre tão divertidos como os de Zaratustra.

Hoje meu equívoco foi ter acordado, pois é bem provável que o erro estivesse no dia, não em mim – amanhã o saberei. Mas prefiro hoje acreditar assim!”

Desse modo é que eu gostaria de escrever nos dias ruins, mas eu sempre lembro do amanhã e de uma canção que insiste: “Mas é claro que o sol,/vai voltar amanhã,/ mais uma vez eu sei/ Escuridão já vi pior/ de endoidecer gente sã/ espera que o sol já vem.

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Palácio da Alvorada

A verdade, porém, é que os maiores males e crimes são criados, arquitetados e executados em escritórios bem limpos, atapetados, refrigerados e bem iluminados por homens de colarinho branco, unhas bem cuidadas; estão sempre bem barbeados e jamais precisam elevar seu tom de voz.” C.S. Lewis, Cartas do Inferno

 

CS Lewis responde à pergunta sobre o surgimento de lugares como o Haiti. As ruínas, agora transmutadas em tijolos, aços retorcidos, poeira, achatamento causado pela queda de lajes, apenas se tornaram inquestionáveis. As mortes, com os corpos espalhados pelas ruas, crianças imprensadas contra as paredes, apenas se tornaram mais evidenciadas. A desolação dos haitianos caminhando sem rumo ante o terrível, apenas se tornou mais uma peregrinação acompanhada pelas lentes. Toda a catástrofe já existia desde sempre, o Haiti é um terremoto socio-político-econômico. O remexer do solo, foi apenas uma manifestação natural, de quem não se espera outra coisa senão abalos. Todavia, bem acima, os seres humanos já tinham criado uma catástrofe ainda superior, de quem não se espera, mas já se acostuma obter tais atrocidades. Uma pergunta surge então: E se os terremotos se acostumarem em trabalhar como profetas? Denunciar os atos inescrupulosos através de abalos que surgem de baixo – uma boa sugestão para as bases sociais – revelando toda a podridão do ser e seus projetos de auto-enriquecimento a custo de outros?

Só para lembrar o quanto a natureza tem agido numa perspectiva profética: Lembremo-nos da situação dos negros no Mississipi, denunciada pelos “profetas-de-sopro”, o terrível furacão que levantou a saia da Casa Branca e não teve quem salvasse a cara de usurpador debochado do presidente na época; Não nos esqueçamos das paradisíacas ilhas da Ásia, denunciadas pelos “profetas-surfistas”, as ondas gigantes, que mostraram que apesar do grande fluxo de turistas, a pobreza local continua, ou seja, apenas mudaram o modus operandi do imperialismo. Se você pensou no Brasil, a culpa foi minha. Mas já posso adiantar, os profetas da natureza, não estão contentes com a situação do país (e quando o Presidente falou da crise econômica mundial comparando-a com marolinha, Netuno ouviu isso, e já velho não entendeu direito a que se referia o chefe de Estado, só se sabe que soltou trovões sobre os mares antes de dormir naquele dia). Alguns abalos já estão sendo registrados no Brasil e temo que algo desse tipo já esteja acontecendo. Os profetas da natureza nunca dormem. Má presságio ou não, os “profetas-toupeiras”, assim chamarei tais terremotos, começaram a obra esse ano pelo nordeste. Não sei se o “carlismo” presente nos arredores afetados, já fora avisado. Algumas expectativas dessa maravilhosa obra – perdoe-me usar tal expressão quando se custa a vida de tantos – podem ser feitas:

Às vésperas da Copa do Mundo de 2014, sediada pelo Brasil, é bem provável, que após magnífica administração dos valores empregados nas construções – não dispense, por favor, meu cinismo – alguns abalos sintamos, e não me refiro à eliminação do Brasil, e consecutiva conquista da Copa pela Argentina, mas algo revelador, que nos leve a ver os abalos freqüentes que são ocasionados pelo ser humano na esfera sócio-politica-economica do país independente de ano de Copa. Além de 2014, há uma expectativa pelo RIO 2016.

Ah! Temo pelo Cristo Redentor e o que os “profetas-toupeiras” possam fazer para denunciar o que realmente há de tão maravilhoso nessa cidade.

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A Casa Branca, sob forte nevasca

Nárnia está fundada – disse Aslam. – Zelemos por mantê-la livre.

C.S. Lewis

As Crônicas de Nárnia/O sobrinho do Mago

 

 Dias após o desastre político global, ocorrido em Copenhage, a resposta da natureza foi implacável. A violenta nevasca pela qual passa o Hemisfério Norte, não me deixa dúvidas do protesto enfático de que se apropriou a natureza com vistas a buscar seus direitos. Tal como o ser humano em sua multifacetada existência, com a diversidade étnica-cultural-política-social-econômica, a natureza necessita de liberdade, ou libertação de seus opressores. E o uso impensável no cotidiano de todas as fontes que lhe são extraídas, nos tornos os principais, senão, únicos tiranos da natureza, ou “opressores ecológicos”.

O sentido de ser dono, aguçado entre o ser humano, toma escalas tão doentia, que além de se achar dono do outro, o ser “ecolopata” possui a certeza de ser dono da terra, das matas, das águas … e assim agrilhoar a natureza e seus representantes, é questão de tempo.

O menino da roça é educado a retirar da natureza seu sustento, o da cidade lhe dá um novo sentido, compra-lhe o passarinho pego pela armadilha, o revende por maior preço e então todo o início correto e respeitoso, destinado ao simples e necessário é convertido ao contrabando, à extração, usurpação e o mísero pássaro é símbolo de toda a natureza trancafiada pelo modelo sanguinário do ser fascinado e obtuso quanto ao tilintar das moedas.

E quando não se é contrabandista ecológico, se é devastador insensível, e desse tipo, Copenhage estava cheio e saturado. O automóvel utilizado, a energia gasta, a água canalizada, os alimentos desperdiçados desde sua colheita, as madeiras à volta, os produtos advindos por fraudadores, … todos nós contribuímos, somos parceiros, influímos, para a permanência, o pensamento e a letargia propositada do tal grupo que apenas visitou Copenhage.

Quanto à mensagem natalina, não há dúvidas, no recém nascido de Betheléhem, há esperança. Todavia, há denúncia, de tempos tão mal vividos, numa relação unilateral e descompromissada do ser humano no seu habitat – seu não como pertencimento, mas como parte dele – , o menino, é voz da natureza também, que reclama a paga do ser advinda por tanta violência, despropósito e ignorância.

As crianças costumam golfar após as mamadas, faz bem para uns, para outros denuncia uma imaturidade física – refluxo, o que denuncia desconforto, mal estar… A nevasca no Hemisfério Norte é um grande refluxo, mancomunado entre o menino de Betheléhem e a natureza, esta sempre a favor da criança inocente, que chora, não apenas por que tem fome.

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sorriso

Agora, que perderam a mudez e ganharam o espírito

 não são obrigados a manter sempre a gravidade.

Pois também o humor, e não só a justiça, mora na palavra.

C.S. Lewis

As Crônicas de Nárnia/O sobrinho do Mago

 

Você, em alguma ocasião de sua vida, já conseguiu rir de si mesmo? Quando levou um susto, tropeçou na calçada aos olhos de milhares, esqueceu-se do nome da pessoa que conversava à horas, tomou o ônibus errado e teve de descer no ponto logo à frente, …e tantas outras situações.

Alguns especialistas, dizem que, a melhor maneira de se manter bem humorado, é dar vazão ao humor, quando o que se deseja momentaneamente, é xingar, resmungar, torcer o nariz e enrugar a testa. É aliviador, deixar-se levar pelo risível acontecido em nosso mundo. Quando a expressão, pós momentos hilários, se fecha, tranca-se com ela uma carga pesada, uma auto-punição, é se machucar não rir de fatos tão comuns e tão especiais. Quando se libera o riso, ou um tímido sorriso que seja, liberta-se toda a carga que deseja manter recluso num mundo obscuro, o ser humano. Renato Russo já cantava, “ …há ferrugem no sorriso…” e a partir do sorriso, todo ser é corroído. Corroídos são corpo e alma.

Salomão, o sábio, já estimula tratamentos estéticos. Porém, ao contrário dos de hoje, que agem de fora para dentro, Salomão tem uma técnica milenar e que penso ser eficaz até hoje. A técnica de Salomão, oriental, diga-se de passagem, faz-se de dentro para fora e supostamente através de um largo sorriso. Sua receita consiste, como se encontra nas Sagradas Escrituras, de expressar a alegria que mora dentro, e não há modo mais eficiente do que sorrir ou rir. Ele prescreve: “O coração alegre aformoseia o rosto, …” Sim, e além disso, liberta o ser humano da eminência de um péssimo dia.

Alberto Caeiro, em sua experiência com o Menino Jesus, não abstém do divino ser, o senso de humor,

A Criança Nova que habita onde vivo

Dá-me uma mão a mim

E a outra a tudo que existe

E assim vamos os três pelo caminho que houver,

Saltando e cantando e rindo

(…)

Tão diferente do carrancudo Deus medieval, censurador de todo e qualquer humor. O riso para Caeiro, está na figura divina. Portanto, na contra-mão dos anos obscuros, sorrir de si é divinal, exorciza os males enclausurantes do ser e traz salvação ao dia que nasce. Basta olhar para criação – assinatura de um Deus que sorri. O Sol, dispõe afugentando os mal-humorados, as maritacas dão gargalhadas quando acham frutos, a bromélia é divertida em sua coloração, até o elefante transmite riso em sua desengonçada caminhada. Outro dia achei que um vira-lata estava sorrindo pra mim, e quando o vi rosnando que o mesmo fez para outra pessoa, acreditei: o cão sorriu. O mundo sorri pelo Criador que o fez sorrindo, por prazer de assistir toda a bela obra de suas mãos.

Exercitar o sorriso frente ao espelho, já foi prescrito por alguém nas técnicas de conservação, ou para rejuvenescer. O desafio hoje é deixar o espelho e dirigir-se a outros, e a si mesmo, com um sorrir contagiante, para no final de tudo poder afirmar pacifica e convictamente, como Adélia Prado: “A vida é mais tempo alegre do que triste”.

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SERES ALADOS

Peter Paul RUBENS, PÉGASUS

Peter Paul RUBENS, PÉGASUS

– Meu amigo – disse Aslam ao cavalo –, gostaria de ser um cavalo alado?

C.S. Lewis em As Crônicas de Nárnia/O sobrinho do Mago

 

A oferta de Aslam enche os olhos de qualquer animal desprovido de asas. Até o ser humano fica encantado pela possibilidade de. Fica, porém, combinado, que voar está além de alçar voos comuns. Digo, comuns, referindo-me aos que vão da ponta do abacateiro ao terreiro granulado de canjiquinha, aos que saem de Madri e chegam a Lisboa, aos que cruzam o Arpoador até alcançarem as areias de São Conrado… Comuns, pois, foram feitos para isso.

Quanto ao voar além, penso ser o voo que estabeleço, ao pensar em meus filhos formados, com filhos – para mim netos, casados, e cabelos grisalhos, um singelo voo através de tempos. É aquele voo que faço entre a pessoa que sou, a que acho que sou, a que as pessoas pensam ser e a que desejo ser, um arriscado voo existencial. É aquele voo que faço entre as coisas vis desse mundo e as celestiais, que trazem paz, pousando nos modos religiosos, até achar meu ninho – como um pardal, um transcendente voo espiritual. É ainda, aquele voo que alço em direção ao saber, sofrendo as rajadas de vento contrárias, associando-me às térmicas e subindo… entre filósofos “prés”, “pós”, e tantos que já foram classificados, um delicioso voo filosófico…

Emily Dickinson, já disse: “Depois de renunciar à vida,/É tão fácil dizer adeus ao resto/(…)” e eu continuo: ao resto e aos voos que devem ser alçados. Voos que não dependem de asas, mas da ânsia de se buscar ares cada vez mais limpos, cada vez mais seus. Mario Quintana certa vez afirmou que a maior tristeza de um pássaro na gaiola é o fato dele não querer voar. Penso no acomodado pássaro engaiolado, cujas portas foram abertas até ao canto, e mesmo assim, ele satisfaz-se no pulo sem graça de um poleiro ao outro, com a água morna no cocho, com as sementes surgidas dentro de um pacote de supermercado. Não prova do pulo arriscado nos pendões fracos da relva, não se refresca com a água límpida dos poços feitos pelo riacho, não sabe o prazer de descortinar as cascas e encontrar as sementes. A ausência de voos, contribui para ausência de vida.

Alar-se com todo o desejo de viver e voar com toda a volúpia de achar, faz do humano, um mitológico ser que se envolve na vida, com a vida. O ser humano é vocacionado para alçar voos, ainda que suas asas sejam as mais originais que existam. Asas depenadas. É isso, o ser humano não carece de plumagem para voar, carece de encantamentos profundos, e de um descontentamento salutar.

Escolho Pégasus como mascote de meus voos sem asas, apesar do mesmo demonstra-las em sua composição. Faço dele minha bandeira, visto que, na mitologia grega, é ele símbolo da sublimação, do voo sem asas, volatilizado por sua ânsia de alcançar os altos. Por um de seus coices, a fonte de inspiração dos poetas surge, o que faz com que os poetas que dessa fonte sorvem a largos, queiram tanto a sublimação do viver.

Há ainda, o tamanho avantajado dos filhotes no ninho, o que  cria um desconforto necessário para os voos. Já o desconforto avantajado do ser humano cria uma atmosfera inequívoca para voos migratórios. Neles o ser se encontra adaptável por onde passa, descobridor de novos tesouros, e semeador de novos seres alados. Nos vôos sem asas que a vida nos permite, a geração de Pégasus se perpetua.

Hoje, se me permitissem uma oração, eu pediria asas, mas nenhuma daquelas que vem cheias de penas grudadas, nenhuma – tenho medo de altura, mas não de voar a meu modo.

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solitario_portugal_porreiro

Nosso destino, meu filho, é solitário,

mas está acima de tudo.” C.S. Lewis

As Crônicas de Nárnia/O sobrinho do Mago

 

A insistência em agregar pessoas a si, é notória na vida do ser tipicamente relacional e sociável. Desde seus primeiros passos, o ser humano caminha em direção ao outro, e isso ocorrerá em todo o tempo de sua existência. Educa-se, pois, o ser humano, a encontrar e encontrar-se na figura do outro. A complementação, a resposta, a troca, a realização, … residem naquele que se encontra do lado de lá, assim, o ser humano não sabe conviver com o mínimo de solidão, ou individualidade. Iniciando assim, parece que se está apontando para uma outra humanidade em outro planeta, todavia é bom lembrar-se que o atual momento é o momento do contraditório, momento pós-moderno, em que existe ao mesmo tempo: um individualismo solitário e uma necessidade angustiante de aceitação nos grupos.

Pendendo ora para um, ora para outro lado, o ser encontra em determinadas ocasiões, um chamado intransferível para atuar solitariamente em algumas desventuras e aventuras da vida. O chamado no qual está o ser humano a mercê, prorrompe com decisões para tomar, desafios para encarar, opções para escolher, ou seja, é um caminho onde apenas um ser por vez, pode desbravá-lo. Uma via que não cabe mão dupla, uma via de um só sentido.

Nietzsche afirma que o solitário pensa da seguinte maneira: “Junto de mim sempre há alguém em demasia” – uma busca evidente pela solidão; busca de quem deseja o singular, as cadeiras da mesa, vazias, o silêncio no apartamento espaçoso. Portanto, o ser que busca o outro, não o encontrará em seus momentos de solidão forçados, momentos que a vida preparou para um particular, uma conversa ao pé do ouvido entre o ser e ela, que o desperta para novas experiências, agora, solitárias.

Há quem se enrijeça em momentos como esses; quem fique paralisado. A vida que deveria caminhar, agora em novas perspectivas – a solidão, ganha estagnação. O medo do enfrentamento, vinculado ao fato de se estar sozinho, pode gerar desespero, pela sensação de impotência, mas é ao mesmo tempo oportunidade de se alcançar a nobreza nos atos.

Lewis adverte a nobreza de seguir rumo aos desafios, ainda que solitariamente. Ab-roga a lei da escolha, quando usa a destinação da solidão ao ser. E parece que de fato, o ser humano está fadado por algum momento de sua vida, sentir-se ou realmente viver a solidão. A pedagogia espartana, fazia do jovem solitário um homem de inequívoca bravura. É na compreensão do caráter pedagógico da solidão, que o mero ser humano, transmuta-se num entendedor, desafiador e guerreiro vitorioso quanto à realidade da vida e do viver.

Por vezes o luto é vivido solitariamente, os temores, as dúvidas, a falta, a distância, a separação, a dor, o pranto, a alegria, o sabor, a lua cheia, o vento uivante no telhado, … mas o importante é saber que depois de todo o aprendizado se está acima, pois, na próxima ameaça de nova solidão, convicto como Ricardo Reis, poder-se-á dizer: “suave é viver só.

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liberdade

“O sofrimento é um mal às claras, indiscutível;

todo homem sabe que algo está errado quando sente dor(… )

Deus sussurra em nossos prazeres,

fala em nossa consciência,

mas grita em nosso sofrimento:

ele é o seu megafone para despertar um mundo surdo.” C.S. Lewis

 

A surdez na existência do ser, não convence Deus a gritar em seus ouvidos, mas o faz utilizar-se das dores comuns da humanidade para evidenciar sua voz. Longe de um fatalismo retrógrado o ser humano necessita convencer-se das fragilidades e permeabilidades que o compõem. Conscientizar-se das auxiliadoras reflexões em tempo de dores e responde ao sofrimento de maneira sui generis. E diante de tudo isso, devo mesmo é concordar com a Adélia, “Sofrer era muito mais fácil.

Para sofrer, nos tempos de hoje, é necessário justificar-se. Primeiramente impõe-se uma necessidade de compreender o motivo de tantas dores, como se isso amenizasse o mal. O vizinho, tacitamente cobra esclarecimentos pelas olheiras da noite em claro; o entregador de pizza deseja boa sorte após a entrega, em meio ao fechar da porta, como se dissesse:  “ – Não há motivos para sofrer!!”; o religioso amaldiçoa o sofrer alheio e o engrossa com listas sem fim, de motivos para o não sofrer; o espelho se transforma num Freud ensimesmado, cheio de diagnósticos irretocáveis… sim, era muito mais fácil sofrer!! Era mais poético, era mais filosófico, mais teológico, o sofrer era mais divino. Sofrer era permitido. Hoje é proibido sofrer.

O sofrer fácil da Adélia, produzia poesias, contos, romances, tratados e teses. O sofrer fácil da Adélia virava livro e com isso ajudava a humanidade a sofrer livremente e melhor. Sofrer melhor – sem o peso da culpa, nem o medo de se estar contra os céus, sofrer não por prazer, mas porque faz sentido também ao ser, o sofrer.

Sofrer fácil, também é o sofrer de Lewis, um sofrer realístico, que convence o ser de sua existência e o conduz a movimentar-se. Lewis nos conduz ao caminho inevitável da dor e à certeza de que o sofrer não pode ser camuflado. O sofrer é como luz da aurora, apesar do sol esconder-se atrás dos montes no período inicial, não há monte no mundo capaz de conter a sua realidade. O sofrimento não pode ser negado pelo idivíduo. Ele é sol que ilumina e descortina a fragilidade nossa. Sim, ser frágil também era mais fácil.

A ordem de retirar de si todo o sofrer se coaduna com a ordem de contar as estrelas nos céus, todas elas. A exigência de ser incólume às dores se assemelha à exigência de não prestar ouvidos ao Sublime. As ostras, no incômodo, geram riquezas; a terra que é ferida pelo arado, está pronta para a semeadura; a mulher em suas dores, leva à luz a sua dádiva maior, a dor tem seu lugar. Ela está na existência, na consciência, no despertamento. Que a dor volte a ser fácil, a vida exige uma dor assim!!

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