“E ela acabou de morrer, aos poucos, dentre a relva úmida
Sem nunca ter sabido que se chamava miosótis.”
Mario Quintana
Como certa miosótis* que fenece depois de ter sido pisada sem saber ao certo quem era, assim, pode ser a mais triste realidade do ser humano hipermoderno. E pisar a si mesmo, por causa da fragilização da identidade, é resultado de quem não se enxerga, não se percebe, não se valoriza, não se encaixa, … no processo que se chama existência.
A diminuta flor de azul vibrante pisada pelo poeta, tinge suas memória e inspiração, e o faz retirá-la de um anonimato campestre para suas linhas de sinceras dedicações. Ela, a pequena flor, nunca soubera disso.
O livro formatado na série “13 reasons why” da Netflix trata das miosótis que permeiam o caminho da humanidade, diversas em suas idades, cores, línguas, culturas, estatura, peso, cabelo, sexualidade, … que sofrem do pisar da existência com suas mais distintas exigências. Portanto, cada personagem, uma miosótis que não sabe ao menos quem é, e qual seu papel na existência! Seria muito, cobrar tudo isso, ou seja, uma clara consciência para o ser humano em desenvolvimento? A cada passo no desenvolvimento, certa dosagem de consciência – do que se é, e do que se não é, do que se é responsável e até que ponto se é responsável – sempre será favorável para entender a si em todo processo de sofrimento, inclusive o do viver.
As personagens principais da série possuem carência, como todo ser humano hipermoderno, de se identificarem como inspiradores de algo, alguém ou de si mesmos! Há uma total necessidade de aprovação dos outros, das massas, dos likes, da notoriedade, da popularidade custe o que custar! O ser hipermoderno é o ser da vitrine, e como se sabe, não se pode colocar toda coleção num só momento, numa só vitrine. Sempre algumas peças ficarão fora dos holofotes da coleção! Os desafios se fazem quando a importância está na cultura da vitrine! As exigências se formam quando se estar na vitrine é a realização de todo ser hipermoderno! E ainda que o ser humano faça parte da coleção, ele não será feliz, satisfeito, resolvido, consciente, se não estiver na vitrine!
As miosótis não perdem a beleza, quando desabrocham em lugares inóspitos, cujo nenhum olhar as contempla! Nem ao menos quando estão sob pés distraídos, causadores de seu fim! As miosótis mesmo que não saibam, são as miosótis! Tarefa impossível fazê-las enxergar isso! Mas quanto ao ser humano cegado pela necessidade de ser visto, mesmo que ele seja míope para a sua própria essência?
Ações específicas são necessárias para os inúmeros de miosótis que pisam contra si mesmas. Miosótis que pisam em si mesmas, deixam a vida, sem ao menos saberem o que são!
Através da série mencionada, vemos a necessidade do encorajamento nas relações sadias, cujos limites sustentados pelo sim e não, são claros em todo tempo. Limites sobre a imagem do outro, suas opiniões e posicionamentos, seus credos e pensamentos, sua liberdade de ir r vir, estar ou não, vestir ou não aderir, … A força não pode ser a bússola de uma sociedade livre!
Há também a necessidade de se investir nos diálogos informais frequentes. Que os diálogos não se tornem apenas para momentos de resolução de problemas. É preciso que o diálogo seja natural em todas as temáticas. Comunicar a dor, a frustração, o bullying sofrido, o sexo, a experiência com a droga, o estupro, … deveria ser como pedir o prato de salada à mesa, com total segurança de que você será respondido com sucesso!
O cuidado pelos mais experientes é de fundamental importância. Largar o assento ocupado pelos que julgam e engrossar as fileiras dos ajudadores é o maior exemplo que se pode oferecer para os mais novos que não ouvem os que nunca erram, os que sabem de todas as coisas, os que nunca tiveram problemas… descer e ajudar a empurrar, não há expressão mais clara e direta!
Proporcionar uma coletividade consciente e interventora, que não permite que regras de respeito mútuo sejam quebradas é evitar danos na alma de muita gente. Coletividade que seja responsável por quebrar maquinações danosas, covardes, ou seja, gente que não se omite quando há injustiça com pelo menos um! Um ser humano injustiçado, ferido, alvo dos outros, basta para que todo o restante seja parado por qualquer um do grupo.
Outra ação que as miosótis da hipermodernidade precisam, está nas mãos dos seus cuidadores. Pais que não firam a privacidade, pois nunca se ausentaram, então sempre estiveram por ali. Não são considerados estranhos! Que não se sentem frustrados por privar um pouco do que são para formar os filhos que serão. Cuja agenda da felicidade, contempla seus filhos, as miosótis mais frágeis, sensíveis e incompreensíveis que já dormiram debaixo daquele teto.
Uma instituição de ensino que não tenha medo do ser humano, essa miosótis hipermoderna, que por vezes se fere, e outras, fere os seus pares, e que de tão perdido, não enxerga o que faz, ou que fazendo de olhos abertos, não possui consciência em fazê-lo. Uma instituição que não faz seu trabalho! Uma instituição de ensino que resolveu educar!
Há também a necessidade da cultura de uma nova chance. Não importa se as miosótis se puseram por debaixo dos pés distraídos ou não, importa sempre comunicar a existência das inumeráveis chances para um recomeço. Toda miosótis hipermoderna possui a chance de recomeçar!
Hannah Baker?!
Apenas mais uma retratação de tantas miosótis sob nossos pés!
*sempre no feminino em referência à flor do
#13reasonswhy #netflix #netflixbrasil
Ps. Eu sei que há mais coisas a serem ditas!
Obrigado pelo ensinamento… as vezes não temos noção (ou temos) de como podemos ser cruéis (com os outros e com nós mesmos) e omissos! Façamos a nossa parte…
Muitas vezes, por sermos flores resistentes ao sol intenso e a pouca água, não nos damos conta da sensibilidade da miosótis. Muito obrigado por essa leitura tão delicada e importante. Amei!
Que bom que gostou! Alegria em tê-la fazendo parte desse lugar para reflexões! Grande abraço!